Na instalação de uma vinha nova, a primeira operação a realizar é a surriba, que na região recebe o nome de saibra ou saibramento. Executa-se, como regra, no Verão ou princípios de Outono, sendo de todas as operações a mais árdua, difícil e onerosa. O seu principal objectivo é a boa mobilização do solo até cerca de um metro e vinte de profundidade, de forma a permitir o bom desenvolvimento das raízes das videiras. No passado, consistia na abertura de valas, dispostas lado a lado, com uma largura da ordem de 1 metro e uma profundidade compreendida, geralmente, entre 0,80 e 1,10 m. A mobilização do solo fazia-se lançando numa vala já aberta a terra proveniente da abertura da seguinte, de tal modo que se assegurava a inversão das diferentes camadas do solo. No fundo da cada vala, deitava-se mato verde ou rama de pinheiro como fertilizante orgânico. A mobilização do solo era feita à enxada, ou enxadão, e força de braço, tornando-se um trabalho lento e extremamente penoso. Em muitas zonas, onde o solo é delgado e os afloramentos rochosos frequentes, havia que destruir a camada de saibro, denominada saibrão, que não cedia à acção da enxada. Só o enxadão, a picareta e o suor dos homens conseguiam vencer a dureza desta camada, justificando o nome de saibra para esta operação. Quando aparecia o granito, era necessário parti-lo e, por vezes, removê-lo do terreno, para permitir o desenvolvimento das raízes e a uniformização da plantação. Se era do tipo "dente de cavalo", a tarefa estava facilitada. Mas, se era de grão fino, o trabalho assumia, então, um carácter de quase penitência, entrando em acção as alavancas, picos, guilhos, pistolos e marretas, acompanhados dos indispensáveis materiais – pólvora, rastilhos e fogo.
Hoje em dia, a saibra está bastante facilitada, graças à utilização de potentes tractores de rasto munidos de uma pá frontal que, num vaivém constante, não só revolvem o solo até à profundidade desejada, como também removem blocos de pedra e nivelam o terreno. Em alguns solos mais favoráveis, onde os afloramentos rochosos não são de temer, começa a generalizar-se, ultimamente, o uso de charruões puxados por tractores de rasto, dado os custos envolvidos serem muito menores.
Feita a surriba, e a espedrega, quando necessário, regularizava-se a superfície do terreno que, nas encostas de maior pendor, obrigava à sua armação em socalcos, chamados geios, mediante a construção de pequenos muros de suporte, em pedra solta, ditos arretos.
Preparado o terreno, procedia-se, por alturas de Fevereiro, à plantação dos bacelos, ou porta-enxertos, mediante a abertura de covachos, geralmente à enxada, de dimensões apropriadas. Abertos os covachos, deitava-se-lhes estrume, que se cobria com uma fina camada de terra, procedendo-se, em seguida, à plantação propriamente dita. Actualmente, a plantação é mais fácil, por ser, essencialmente, mecanizada. A regularização do terreno ainda contempla o uso de socalcos, mas os arretos foram substituídos por taludes feitos em terra. Antes da plantação, faz-se uma estrumação e uma correcção mineral com adubos e calcário moído. Estas incorporações fazem-se recorrendo à abertura de valas ou, mais correctamente, espalhando os materiais à superfície e enterrando-os com uma lavoura. A plantação dos bacelos faz-se, geralmente, em valas abertas ao comprimento das linhas da futura vinha.
A escolha adequada dos porta-enxertos é um cuidado de grande importância, muito embora no Dão seja de pouco peso. O porta-enxerto mais divulgado é, a longa distância dos restantes, o Aramon x Rupestris n.º1, que foi introduzido na região por alturas de 1891, após a crise filoxérica. Têm também alguma expressão os porta-enxertos 420-A e Riparia Gloire. Actualmente, têm vindo a ser utilizados porta-enxertos mais recentes, de que urge destacar o 99-R, o 110-R, o 1103-P e o SO4.
Um ou dois anos após a plantação, consoante o estado de desenvolvimento dos bacelos, procede-se à enxertia. Executa-se, em regra, nos meses de Março e Abril, pela técnica de fenda cheia. O enxertador começa por limpar e degolar a planta com a tesoura, ligeiramente acima do nível do solo; em seguida, escolhe o garfo de acordo com o diâmetro do cavalo e apara-o em forma de cunha com a navalha. Abre, então, a fenda no cavalo, enxerta e ata com ráfia, amontoando, finalmente, com terra. É costume, na região, os enxertadores bafejarem os garfos antes da enxertia, afirmando que o êxito da operação é garantido quando exalam vapores de vinho. Não surpreende, pois, que bebam tão amiudadamente. Outro hábito que ainda perdura entre os enxertadores é o de utilizarem, de quando em quando, garfos que trazem escondidos nos bolsos, em vez dos fornecidos pelo proprietário da vinha. Esta forma peculiar de deixarem a sua chancela na nova vinha faz com que seja frequente encontrar uma videira de uvas tintas numa fila de videiras de uvas brancas, ou vice-versa.
Terminada a enxertia, instalam-se os esteios e o primeiro arame, dando-se por concluída a instalação da vinha.
Formas de Condução das Videiras
As formas de condução de cepas plantadas junto às linhas de água ou na bordadura dos campos de cultura, quer em cordões altos, quer em latada, originam plantas de grande porte, mais parecendo uveiras que as tradicionais videiras da região. Embora produzindo abundantemente, a qualidade das suas uvas é má, originando vinhos atípicos que nada têm a ver com o verdadeiro vinho do Dão. Por tal motivo, não se justifica a sua descrição, apesar de ser necessário lembrar que continuam a ter um peso importante na região e a testemunhar a memória de um passado em que a quantidade se sobrepunha claramente à qualidade.
As verdadeiras vinhas do Dão, capazes de originar os vinhos que notabilizaram a região, são conduzidas em manchas contínuas não aramadas, as velhas, ou aramadas, as mais recentes. As primeiras representam, ainda hoje, cerca de 35% da área vitícola regional e dispõem-se em compassos estreitos, geralmente do tipo quadrangular, com distâncias compreendidas entre 5 e 7 palmos craveiros (22 cm x 7). As videiras são conduzidas, de um modo geral, em forma de cone invertido, a cerca de 60-70 cm acima do solo. A altura do tronco e o comprimento dos braços é, ainda hoje, muito variável, até dentro da mesma vinha. Este facto reflecte, por um lado, a atitude que o viticultor antigo sempre teve para com as videiras, tratando-as com o carinho e o cuidado que o vigor de cada uma merece; por outro, traduz a falta de mecanização deste tipo de vinhas, onde a heterogeneidade da plantação não é obstáculo ao seu cultivo.
A forma de condução das videiras está muito condicionada aos seus hábitos de frutificação, não sendo fácil afirmar se foram as castas existentes na região que determinaram o tipo de poda que tradicionalmente se pratica ou, pelo contrário, se houve uma selecção de castas no sentido de permitir a generalização de um tipo único de poda. O certo é que a maioria das castas tradicionais da região frutifica melhor no terço médio das varas, implicando uma poda longa, em vara de 6 a 8 olhos, para que a produção de uvas seja satisfatória. Nesta forma de condução, são deixadas varas em número variável, consoante o vigor das cepas e, sempre que necessário, uma espera, a que Rebello da Fonseca, já em 1790, designava "pollegar". Este sistema de condução tem o inconveniente de provocar a elevação continuada das unidades de frutificação, em consequência de uma poda baseada nas varas e na sua empa acima do terceiro olho.
Como já foi referido, uma poda longa implica a operação complementar da empa, com o objectivo de assegurar o equilíbrio vegetativo da cepa. Nas vinhas não aramadas, a empa é feita recorrendo a tutores mortos, geralmente ramos de pinheiro, cuja curvatura natural os torna especialmente adequados à função. São espetados em posição inclinada junto a cada cepa, enrolando-se as varas à sua volta no sentido descendente. Esta forma de empar as videiras, designada empa em tendal, leva a uma gemedura ao longo da vara, que equilibra o vigor dos pâmpanos resultantes dos gomos deixados na poda.
Há algumas décadas atrás, as vinhas começaram a ser aramadas com o intuito de uniformizar as plantações e facilitar, consequentemente, a mecanização das operações culturais. Os compassos de plantação aumentaram, passando a variar entre 1,20 m e 2 m na distância entre linhas e 1 m e 1,20 m e distância entre cepas. Este sistema de condução das videiras passou a condicionar o seu desenvolvimento vegetativo num plano ao longo das filas, isto é, a vegetação começou a ser embardada.
Nestas vinhas, a armação é constituída, essencialmente, por esteios de granito ou ardósia, os chamados peirões, e por duas fiadas de arame colocadas a 0,60-0,70 m e 1,10-1,30 m do solo, que sustentam a vegetação.
As videiras são geralmente podadas à vara, como no caso anterior, e a empa, em vez de se fazer recorrendo a um tutor, faz-se à volta do primeiro ou segundo arames, consoante a altura a que se encontram as varas. Quando a vara é muito comprida, é costume dizer, com muito sentido popular, que a vara vai beber à adega; quando fica com a ponta voltada para o solo, diz-se que vai beber ao chão.
Nas vinhas tradicionais do Dão, quer sejam ou não aramadas, uma imagem que ressalta de imediato à vista de qualquer observador é o carácter retorcido e sinuoso da maioria das cepas, que se acentua com a idade. Tal facto deve-se aos já referidos abaixamentos, resultantes de uma concepção antiquada da poda. Com efeito, a poda de formação das videiras jovens é feita erradamente, pois a abertura das cepas faz-se muito abaixo do primeiro arame, obrigando a que a vara de poda, para ser empada, mantenha um número considerável de olhos na vertical. No ano seguinte, as varas deixadas na planta inserem-se na zona empada sobre o arame, fazendo com que a altura da unidade de frutificação se eleve e obrigando a que tenham de ser empadas, muitas vezes, sobre o segundo arame. Nestas condições, ao podador só resta, a certa altura, provocar o rebaixamento da cepa através de uma espera, que vai buscar a um ramo "ladrão" situado no tronco, abaixo do primeiro arame.
A introdução dos tractores com rodado largo, essencialmente a partir da década de 60, veio obrigar a que o compasso entre linhas fosse mais uma vez aumentado nas vinhas do Dão, passando-se para 2,30, 2,50 e, mesmo, para 3 metros. Este alargamento do compasso, ao possibilitar a explosão do vigor das cepas, reflectindo-se numa maior dificuldade de condução e agravando as condições de maturação das uvas. Com efeito, a altura de armação destas vinhas manteve-se na maioria dos casos, enquanto o número de varas e de olhos por vara teve de ser aumentado para assegurar o equilíbrio da planta. Em consequência disso, começaram-se a empar as varas simultaneamente nos dois arames, com a consequente sobreposição de folhagem e a maior dificuldade de maturação dos cachos.
Embora a descrição das formas de condução das videiras permita compreender, até certo ponto, a paisagem vitícola do Dão e os aspectos essenciais de duas das práticas culturais mais importantes – a poda e a empa, não permite transmitir a riqueza etnográfica que a actividade vitícola assume na região, justificando-se uma referência a alguns aspectos particulares das práticas culturais efectuadas anualmente nas vinhas.
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